Tenho
participado ativamente de eleições desde o início dos anos 2000, primeiramente
de eleições na minha entidade de classe, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB,
depois de eleições partidárias.
Na
OAB, ganhamos algumas, perdemos outras, como em qualquer disputa. Nas eleições
partidárias, desde a reeleição de Fernando Henrique Cardoso – sim, já fiz essa
besteira, quem nunca errou que atire a primeira pedra, os candidatos em que
votei em 1° turno nunca ganharam.
Mas,
não reconhecer a derrota nunca foi uma opção.
Em
2012, disputei a presidência da OAB Piracicaba, ao perder a disputa, a primeira
coisa que fiz foi reconhecer a derrota, parabenizar o vencedor, Dr. Fábio
Ferreira de Moura, e desejar-lhe uma profícua gestão.
Ganhar
ou perder faz parte do jogo democrático.
Uma
breve consideração acerca do sistema eleitoral.
Há
algum tempo, o presidente (em letra minúscula, pois ele não merece outro
tratamento) da República tem feito discursos buscando desacreditar o sistema
eleitoral, notadamente as urnas eletrônicas.
Por
causa desse irresponsável discurso, o Tribunal Superior Eleitoral – TSE
submeteu as urnas a uma série de testes, sendo que em todos, sem exceção, não
foi apontado erro ou fraudes. As urnas sempre passaram por testes, mas neste
ano foram ampliados e intensificados.
A
OAB São Paulo foi uma das que participaram dos testes, todos os Conselheiros,
na sessão ocorrida em agosto, foram convidados a preencher cédulas de papel com
os números que quisessem, poderiam ser números de candidatos ou números para
anular o voto.
No
dia anterior às eleições, forma sorteadas urnas aleatoriamente pelo Estado de
São Paulo, a Presidente da OABSP Patrícia Vanzolini (essa com P maiúsculo) foi
uma das autoridades que participaram sorteando uma urna. Além da OABSP, outras
entidades e instituições participaram, como FIESP, SESC, SENAC, Comando do
Exército, CGU, dentre outras. Também, alguns partidos estiveram presentes e
participaram ativamente, como por exemplo o Patriota – o mesmo daquela
candidata que tem feito discurso para desacreditar o sistema eleitoral.
Nas
cidades circunvizinhas, a urna da seção 0053, zona 0142, de Tietê, foi
selecionada para ser submetida ao teste.
Resumidamente,
o teste consiste em emitir a “zerézima” (boletim de urna emitido para se comprovar
que não havia votos nas urnas), digitam-se os números constantes das cédulas na
frente de todos que acompanham, e ao final é emitido o boletim de urna, e
totalizado os votos das urnas que são confrontados com os votos das cédulas.
Este
foi apenas um dos testes, e todos revelaram o óbvio, o sistema eleitoral é
íntegro.
Polarização
I
Vivemos
num país dividido. Referida divisão não é fruto do momento, é uma construção de
anos.
Teve
seu início com a disputa entre PSDB e PT, que se antagonizavam no cenário
político, começando o discurso do nós contra eles, do bem contra o mal. Como
ainda estava no início, outros partidos e políticos também se destacavam, por
isso, pouca radicalização existia, ainda era possível ter posicionamento
diferente.
O
auge da polarização entre PT e PSDB se deu em 2014, quando Dilma Rousseff (PT)
foi eleita com 51,64% dos votos válido, contra 48,36% de Aécio Neves (PSDB).
Mau
perdedor I
Aécio
Neves (PSDB), ao perder com margem tão apertada, mostrando-se mau perdedor, não
reconheceu a derrota, resolveu questionar o resultado da eleição perante o Poder
Judiciário.
O
questionamento feito por Aécio Neves (PSDB) ainda possuía contornos
democráticos, pois buscou a via adequada, o TSE.
Mas,
a figura do candidato a presidente, notadamente o candidato a Presidente da
República, vai além da participação na eleição. O candidato a Presidente da
República representa uma ideia, uma concepção de nação, é alguém que recebe
milhões de votos, por isso, é uma grande liderança.
Alguns
de seus seguidores ficam cegos, ao ponto de acreditar em tudo o que é dito por ele,
sem parar para fazer uma reflexão. Algo semelhante com a liderança religiosa.
Aécio,
em 2014, deixou um sinal, o povo continuou dividido, mergulhou o país numa
enorme crise política, que nos levou ao impeachment da Presidente Dilma (PT).
Nunca mais saímos dessa crise.
Polarização
II
A
polarização continuou se agravando, mas com a perda de espaço do PSDB, que ouso
dizer foi provocado pelo próprio Aécio Neves, quando se recusou a reconhecer a
derrota, mudaram-se os antagonistas. Deixou de ser PSDB x PT, passou a ser
Bolsonaro x PT.
Porém,
o que era uma polarização política, passou a ser uma polarização raivosa.
Temos
vivenciado temos sombrios, em que se mata pelo simples fato de ser adversário
político.
Tivemos
bolsonaristas matando petistas no Paraná, no Ceará, em Minas Gerais. Tivemos o
Deputado Bibo Nunes (PL-RS) dizendo que estudantes universitários de Santa
Maria (RS) merecem morrer queimados, em alusão às vítimas da Boate Kiss.
Tivemos o ex-Deputado Federal Roberto Jefferson (PTB) atirando em Policiais
Federais e a Deputada Federal Carla Zambelli (PL) empunhando arma e ameaçando
matar um homem negro.
Cenas
dantescas e inimagináveis há alguns anos, frutos de uma radicalização e de uma
cegueira coletiva, produzida por um personagem abjeto que comanda a nação e que
deu voz aos piores sentimentos dos seres humanos.
Com
frases como: “vamos metralhar petralhas”; “o grande erro da ditadura foi não
matar vagabundos e canalhas como Fernando Henrique”; “o objetivo é fazer o cara abrir a
boca. O cara tem que ser arrebentado para abrir o bico”; “gastaram muito chumbo
com o Lamarca. Ele devia ter sido morto a coronhadas”; “o erro da ditadura foi
torturar e não matar!”; “Pinochet devia ter matado mais gente”; “Não vou
estuprar você porque você não merece”, Bolsonaro foi incutindo na cabeça dos
brasileiros sentimentos de ódio, racismo, xenofobia, mas, por incrível que
pareça, ganhou seguidores.
Aliás, o que é mais
inacreditável é que os seus seguidores dizem que ele representa os ideais
cristãos (Deus, Pátria e Família). Ora, que Cristo é esse? Desculpem-me, não
conheci a esse Cristo, e nem quero. Prefiro continuar com aquele que conheci
nas igrejas evangélicas que frequento desde que nasci.
Mau perdedor II
Como Aécio Neves (PSDB),
Bolsonaro (PL) se mostrou um mau perdedor.
Mas, não se conteve em
seguir apenas o velho político mineiro, resolveu radicalizar, como é próprio de
seu caráter, e seguiu a linhas mestras de Donald Trump, ex-presidente dos EUA.
Como Trump, não
reconheceu a derrota, não deu o tradicional telefonema ao vencedor, não fez uma
declaração pública logo após a apuração. Levou 48 horas para se pronunciar e
quando o fez, proferiu discurso lacônico, que cada um o interpretou como quis.
Referidos atos são simbólicos,
mas são marco importante, pois sinalizam para seus seguidores que a eleição
acabou e que os ânimos devem ser serenados.
O silêncio eloquente de
Bolsonaro cumulado com o discurso de não confiabilidade do sistema eleitoral foi
o estopim para que seus seguidores saíssem às ruas para fechamento de rodovias,
prejudicando trabalhadores e cidadãos.
Manifestações e
protestos pacíficos são garantidos constitucionalmente, mas, manifestações
contra o sistema eleitoral (previsto na Constituição), contra as urnas
eletrônicas e motivadas por insatisfação contra o resultado das eleições, são antidemocráticos
e inconstitucionais. São inadmissíveis.
É preciso seguir
Os resultados das
eleições já foram proclamados. Houve um vencedor!
Ainda que a diferença
entre os dois candidatos tenha sido mínima (a menor da história), ainda que não
se goste do vencedor (o índice de rejeição de Lula (PT), segundo as pesquisas,
só não é maior que o do próprio presidente), há um vencedor, e o resultado das
eleições devem ser respeitados.
É preciso serenar os
ânimos, deixar o fluxo seguir, retornarmos à normalidade.
No estado democrático de
direito há eleições periodicamente, daqui a 4 anos teremos outra, vencerá quem
conseguir convencer o maior número de eleitores que sua concepção de nação é a
melhor.
Desta vez venceu Lula
(PT), desejo-lhe que consiga reunificar o país, recoloque-o nos trilhos e faça
uma profícua gestão.
Max Pavanello
Advogado
Texto publicado em A TRIBUNA PIRACICABANA, edição de 04 de novembro de 2022.