sábado, 6 de maio de 2023

O PL das Fakes News

Uma das pautas da semana, que deu bastante o que falar, é o polêmico Projeto de Lei das Fake News. Certamente o nosso Capiau, que não gosta de americanismos, preferiria o termo Notícias Falsas, mas o termo Fake News já caiu no gosto popular, por isso, é o que usarei.


Boa parte das pessoas que tem discutido o assunto sequer leu o projeto de lei e tem se restringido a reverberar os conteúdos produzidos pelos interessados em aprová-lo ou engavetá-lo.


Lendo o projeto de lei, fazendo um exercício de abstração da disputa entre direita e esquerda, é possível se extrair pontos positivos e negativos, ambos que justificam uma melhor discussão acerca do tema, que deve ser feita com seriedade e responsabilidade.


O projeto original foi apresentado pelo Senador Alessandro Vieira (Cidadania) e o relator é o Deputado Orlando Silva (PCdoB). Quando se apresenta um projeto de lei, todos os parlamentares possuem o direito de apresentar emendas para aprimorar o texto. 


No site do Senado há 152 emendas e no da Câmara Federal há 85, que foram apresentas por parlamentares dos mais variados partidos. No texto original havia 31 artigos, enquanto no Substitutivo atual constam 60.


O PL das Fakes News ganhou comoção entre os parlamentares e órgãos da imprensa nos últimos dias por conta dos recentes ataques às escolas, como se fosse grande solução para resolver o problema. Não é, pode até ajudar, mas a raiz do problema dos ataques às escolas não são as Fake News, essa discussão é muito mais ampla. 


Acredito que o grande problema das Fakes News são o potencial para influenciar eleições, se destruir reputações, disseminar ódio, boatos e matérias sensacionalistas, que distorcem acontecimentos e propagam ideias errôneas, como, por exemplo, que a vacinas contra a COVID-19 transmitiam AIDS. Produzem mentiras e desinformações, que temos obrigação de combater.


Como dito no início, há pontos positivos no PL das Fakes News e destaco: a preocupação em coibir e punir as informações mentirosas, que possuem o condão de prejudicar indivíduos e a sociedade; a defesa do Estado Democrático de Direito; garantir maior transparência em relação às postagens em redes sociais; salvaguarda de publicações de cunho humorístico e religiosos; responsabilização civil dos provedores como Facebook, Instagram, WhatsApp, dentre outros.


Essa responsabilização civil dos provedores é que gerou descontentamento das Bigs Techs (gigantes da tecnologia), que não se iludam, não estão preocupadas com liberdade de expressão, direitos do povo brasileiro, etc., estão preocupadas porque estão com medo serem condenadas a pagar indenizações.


Hoje, quando alguém tem produzido contra si uma Fake News e esta é publicada, por exemplo, no Facebook ou Instragram, apesar da vítima ter a possibilidade de propor ação judicial para o conteúdo ser retirado do ar, as empresas não são responsabilizadas civilmente, ou seja, não são condenadas a pagar indenização. Isso é uma distorção e chega às raias do absurdo. 


Tome-se o exemplo desse periódico. Se eu escrever algo que atinja a honra de alguém, a vítima poderá propor ações judiciais, inclusive, ação de indenização, contra mim e contra o próprio jornal. Isso obriga o jornal a ter redobrado o cuidado com o conteúdo que publica.


Mas, se ao invés de publicar o texto ofensivo nesta coluna, publicá-lo no Facebook ou Instragram, aquelas empresas não serão responsabilizadas. O texto seria o mesmo, o conteúdo ofensivo seria o mesmo, mas o jornal poderia ser punido enquanto a rede social não. Isso é correto? É justo?


Quando essas empresas perceberam esse “risco”, lançaram a ofensiva contra o projeto de lei.


Mas, há pontos negativos também. Cito dois exemplos.


O primeiro grande problema é o conceito de Fake News ou desinformação. Não há no texto em tramitação uma conceituação clara sobre o que é desinformação ou mentira. Parece até ser fácil se dizer o que é verdade ou mentira, mas, num país que vive uma polarização raivosa como vivemos, a verdade e a mentira têm sido muito mais relacionadas com o deus que a publicou. Escrevi deus com letra minúscula pois é assim que têm sido tratadas personalidades públicas e políticas. Aliás, as discussões sobre o PL das Fakes News são prova disso.


Outro problema grave, para o qual se deve achar uma solução antes da aprovação do texto legal, é o órgão fiscalizador. Quem terá o poder legal de dizer se é informação ou desinformação, se é verdade ou mentira?


A primeira solução pensada era ruim. Criação de uma agência ligada ao governo, provavelmente, ao Ministério da Justiça. O governo é formado por pessoas e essas pessoas possuem crenças e raízes ideológicas. O governo (seja de direita ou de esquerda) sempre terá tendência a considerar desinformação as críticas. Isso é uma fagulha eficiente para a combustível da ditadura.


Outra solução, seria deixar para as empresas esse controle. Solução péssima, que aliás não tem surtido efeito. Também foi aventada a hipótese de se deixar ao Poder Judiciário, mas convenhamos, esse já abarrotado poder republicano não terá a agilidade necessária.


Uma agência independente, sem vinculação com o governo, formada pela sociedade civil, pode ser uma solução, mas terá que ser criada toda uma estrutura que não existe, inclusive, dever ser criado um arcabouço (palavra da vez) jurídico novo.


Há mais, muito mais observações a serem feitas sobre o PL das Fakes News, mais pontos positivos, mais pontos negativos, e por isso não é uma legislação para ser aprovada de forma açodada, deve ser mais bem debatida por toda a sociedade, mas, também, sem a demora costumeira do Poder Legislativo.



Max Pavanello

Advogado, associado do escritório Rocha & Filzek Sociedade de Advogados, presidente do PDT de Piracicaba


Texto publicado em A Tribuna Piracicabana de 06/05/2023

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